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Seção de Crônicas da Casa da Cultura

Gentilezas

Letícia de Campos Ludwig

Há dias em que as coisas não dão certo e o mundo parece divertir-se às nossas custas. Teorias cósmicas conspiratórias parecem fazer sentido, e pensamos: “eu não deveria ter deixado a cama hoje”. Sucessão de eventos desastrosos, ou a mera seqüência de pequenos fatos desagradáveis – quase imperceptíveis aos outros, mas que tomam vulto para nós. O despertador não tocou e estamos atrasados, esquecemos de comprar pão no dia anterior e sairemos de estômago vazio, vamos abrir a porta e ficamos com a maçaneta na mão, não percebemos a chuva insistente que cai lá fora e saímos sem guarda-chuva (se somos mulheres: nossos cabelos ficarão um desastre e isso não é pouca coisa!), um motorista buzina e nos xinga injustamente... Almas mais sensíveis podem deprimir-se por dias por conta de insignificantes eventos do tipo.

Por outro lado, pequenos gestos – também quase imperceptíveis – podem fazer toda a diferença, num dia que parece fadado a findar de forma desanimadora. Um vizinho que nos cumprimenta sorridente, um motorista que nos dá a preferência, o cobrador do ônibus que nos deseja um bom dia, a senhora ao lado que nos lança um olhar afável. Pequenas gentilezas e cortesias certamente não mudam o mundo: mas é inegável que têm o poder de transformar nosso estado de espírito e iluminar um dia cinza. Elas nos ajudam a redimensionar os eventos, a dar a cada coisa a devida importância (no caso, importância nenhuma); nos fazem recordar do que realmente importa.

Agir de forma gentil e cortês para com os demais, porém, nem sempre é simples. Não é fácil nos desnudarmos da postura defensiva que costumamos adotar para nos sentirmos menos vulneráveis ao outro. Vivemos num mundo complexo e plural, onde as mais diferentes culturas, crenças e ideologias convivem – infelizmente, nem sempre de forma pacífica e tolerante. Num ambiente de insegurança e freqüentemente de violência, tendemos a desconfiar da pessoa ao lado, e talvez com razão. O problema é que a postura de regra defensiva acaba por boicotar novos relacionamentos, restringir os contatos, contribuir para o isolamento. E faz com que não enxerguemos o outro.

Pequenas gentilezas não só não custam nada, como podem ser extremamente gratificantes para quem as oferece/pratica, se pensarmos que aquele simples bom dia ou sorriso pode confortar alguém, tornar mais leve um dia difícil. Do porteiro do prédio ao colega de trabalho, do funcionário da padaria ao nosso vizinho, da pessoa ao lado no ônibus às pessoas mais próximas e que conosco convivem diariamente: o companheiro, os pais, os filhos. Com modestas gentilezas cativamos e somos cativados. De pequenos gestos se fazem belos dias


O autora, Letícia de Campos Ludwig, é doutoranda em Sistemas Jurídicos e Político-Sociais Comparados na Università degli Studi di Lecce/Itália. Pesquisadora-Bolsista com apoio do Programa de Bolsas de Alto Nível da União Européia para a América Latina – Programa ALBAN, bolsa n. E04D046897BR

Contatos: lcludwig@terra.com.br

Página publicada em 11/05/2005