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Linguagem e o Homem

 

Angélica Dias de Azevedo

 

"Há mais mistérios entre o céu e a Terra do que supõe a nossa vã filosofia"

(William Sheakespeare em sua notável peça Hamlet)


A Filosofia da Linguagem está ainda menos bem definida e possui um princípio de unidade ainda menos claro do que a maioria dos outros ramos da Filosofia. Os problemas da linguagem que são tipicamente tratados pelos filósofos constituem uma coleção pouco conexa, para a qual é difícil encontrar qualquer critério nítido que a distinga dos problemas de linguagem de que se ocupam gramáticos, psicólogos e antropólogos. Podemos chegar a uma noção inicial da amplitude dessa coleção fazendo um levantamento dos vários pontos onde, no âmbito da Filosofia, surge o interesse pelos problemas da linguagem.

 

Fontes do Interesse do Filósofo pela Linguagem:


A Metafísica

Vejamos, em primeiro lugar, os modos como os problemas relativos à linguagem se manifestam nos vários ramos, da Filosofia. A metafísica é a parte da Filosofia que se caracteriza, em suas linhas gerais, como uma tentativa para formular os fatos mais genericamente universais, incluindo uma enumeração das categorias mais básicas a que pertencem as entidades e alguma representação de suas inter-relações. Sempre houve filósofos que tentaram chegar a alguns desses fatos fundamentais considerando os aspectos básicos da linguagem que usamos para falar sobre o mundo. Lemos no livro X de República de Platão : "Sempre que um determinado número de indivíduos tem um nome comum supomos que tenham também uma idéia ou forma correspondente" ( 596 ) . Para esclarecer essa observação algo enigmática, Platão chamou a nossa atenção para um aspecto genérico da linguagem, de que um determinado substantivo ou adjetivo, por exemplo, 'árvore' ou 'agudo', pode ser verdadeiramente aplicado no mesmo sentido a um grande número de coisas distintas e diferentes; a sua opinião é de que isso só será possível se existir alguma entidade designada pelo termo geral em questão 0 arboridade, agudeza - da qual compartilha cada um dos indivíduos. Caso contrário, seria impossível aplicar o termo geral no mesmo sentido a vários indivíduos diferentes.

Encontramos também Aristóteles, em sua Metafísica, argumentando da seguinte maneira;

"E assim, poder-se-ia até levantar a questão de saber se as palavras caminhar, ter saúde, sentar, implicam que cada uma dessas coisas seja existente, e do mesmo modo em outros casos deste gênero; pois nenhuma delas subsiste por si própria nem é capaz de manter-se separada da substância mas, antes, se realmente é alguma coisa, é aquilo que anda, ou se senta ou é saudável que é uma coisa existente. Ora, tais palavras são tidas na conta de mais reais porque existe algo definido que lhes é subjacente (isto é, a substância, ou indivíduo), que está implícito nesse predicado; pois nunca usamos a palavra "bom" ou "sentado" sem subentender isso". ( Livro Zeta, capítulo 1. )


A Epistemologia

0 ramo da Filosofia conhecido como Epistemologia ou Teoria do Conhecimento envolve a linguagem em certos pontos, sendo o mais importante o problema do conhecimento a priori. Temos um conhecimento apriorístico quando sabemos algo sem que esse "algo" esteja fundamentado na experiência. Parece que temos um conhecimento desse gênero na matemática e talvez em outras áreas também; e o fato de termos tal conhecimento parece ter deixado os filósofos freqüentemente perplexos. Como é que podemos saber com toda a certeza, independentemente de observações, medidas etc., que os ângulos de um triângulo euclidiano, todos somados, são iguais a 180 graus? Ou que 8 mais 7 é sempre e invariavelmente igual a 15? Como podemos estar certos de que nenhuma experiência jamais desmentirá essas convicções? Uma resposta que tem sido freqüentemente dada é que, em tais casos, o que estamos afirmando é verdadeiro por definição ou verdadeiro em conseqüência das significações dos termos envolvidos. Quer dizer, faz parte do que significamos com o uso de "8", "7", "15", "mais" e "igual'' que 8 mais ~ iguala 15; e negar esta afirmação seriamente implicaria a mudança de significação de um ou mais desses termos. A propriedade desta explicação do conhecimento a priori é e tem sido objeto de considerável controvérsia; mas, quer a posição se justifique ou não, é evidente que, mesmo considerando-a seriamente, somos levados inevitavelmente a indagações por que um termo tem um certo significado P como é que um enunciado pode ser verdadeiro em virtude de certos termos possuírem o significado que possuem.

 

Reforma da Linguagem

Há também motivos filosóficos de interesse pela linguagem que nada têm a ver com os problemas de um ou outro ramo da Filosofia, mas, sim, com os tipos de atividade a que os filósofos são levados em muitos ramos da matéria. Um destes é a reforma da linguagem. Os pensadores de muitos campos são propensos a se queixarem de deficiências da linguagem, mas os filósofos têm estado mais preocupados, e com razão, com esse gênero de problema do que a maioria. A filosofia é muito mais uma atividade puramente verbal do que uma ciência que reúne e colige fatos sobre reações químicas, estruturas sociais ou formações rochosas. A discussão verbal é o laboratório do filósofo, onde ele submete suas idéias a teste. Não surpreende, portanto, que o filósofo seja especialmente sensível às imperfeições em seu principal instrumento. As queixas filosóficas sobre a linguagem têm tomado variadas formas. Temos os filósofos da intuição mística, como Plotino e Bérgson, que consideram a linguagem intrinsecamente inadequada à formulação da verdade fundamental. Segundo esse ponto de vista, só podemos realmente apreender a verdade mediante uma união, sem palavras, com a realidade; as formulações lingüísticas só nos proporcionariam, na melhor das hipóteses, perspectivas mais ou menos desvirtuadas. Mas, com maior freqüência, os filósofos não se mostram propensos a renunciar à conversação, nem mesmo em teoria. As queixas, em geral, têm sido dirigidas contra algum estado ou condição corrente da linguagem, e a implicação é de que deveriam ser tomadas providências para remediar essa situação, Esses filósofos podem ser, metodicamente, divididos em dois grupos, Há os que mantêm que a "linguagem vulgar'', a linguagem da conversação cotidiana, é perfeitamente adequada aos fins filosóficos, e que o mal reside no fato de se desviar da linguagem vulgar sem que se providencie, realmente, um meio qualquer de dar sentido ao desvio. Encontramos exemplos desse tipo de queixas ao longo da história da Filosofia, como foi o caso dos protestos de Locke contra o jargão escolástico; entretanto, foi em nossa própria época que tais reclamações se converteram na base de um movimento filosófico - o da "filosofia da linguagem comum". Em sua mais vigorosa forma, tal como observamos nas últimas obras de Ludwig Wittgenstein, ela sustenta que todos ou, pelo menos, a maioria dos problemas da Filosofia são decorrentes do fato de os filósofos terem usado mal alguns termos decisivos, como "saber", "ver", "livre", "verdadeiro" e "razão". Foi porque os filósofos se afastaram do uso ou usos comuns desses termos, sem os substituir por algo inteligível, que acabaram por cair em enigmas insolúveis sobre se podemos saber o que outras pessoas estão pensando ou sentindo; se realmente vemos, de modo direto, qualquer objeto físico; se agimos sempre livremente; se temos sempre alguma razão para supor que as coisas acontecerão de uma maneira ou de outra no futuro. Segundo Wittgenstein, o papel do filósofo que chegou a essa conclusão é o papel de um terapeuta; sua tarefa consiste em remover as "limitações conceptuais'' em que caímos.

Em segundo lugar, há os que, ao contrário, sustentam que o problema decorre do fato de ser a própria linguagem vulgar inadequada para fins filosóficos, em vista de sua indefinição, ambigüidade, caráter vago e inexplícito, dependência do contexto e de sua natureza propícias a interpretações ilusórias ou equívocas. Esses filósofos, como Leibniz, Russell e Carnap, consideram ser sua tarefa a construção de uma linguagem artificial ou, pelo menos, a delineação de uma linguagem tal em que esses efeitos sejam remediados. Como acentuamos antes, esse empreendimento é, por vezes, estimulado pela convicção de que é possível, pela estrutura dessa linguagem, entender todos os fatos sobre a estrutura metafísica da realidade.

Para os nossos propósitos, o interesse principal por essas queixas e esquemas de reforma reside no modo como as concepções gerais da linguagem e da significação estão neles envolvidas. Até a posição mística pressupõe uma certa noção da natureza da linguagem; de outro modo, não disporíamos de base alguma para sustentar que a linguagem é intrinsecamente incapaz de servir como formulação adequada da verdade. As outras posições envolvem, necessariamente, concepções mais positivas das condições em que a linguagem é significativa e desempenha adequadamente suas funções. Assim, o critério de verificabilidade da significação, ao qual dedicaremos a maior parte de um capítulo, devido de uma posição do gênero descrito em último lugar.

 

Problemas da Filosofia da Linguagem


Tendo visto alguns dos pontos, nos setores mais centrais da Filosofia, em que somos, naturalmente levados para uma análise explícita dos problemas respeitantes à linguagem, podemos agora passar a um breve exame preliminar desses problemas. Como acentuei antes, não seria realista esperar uma unidade compacta nesse assunto. Mas se podemos concordar em considerar a análise conceptual como o âmago da filosofia, então podemos também conceder um lugar de destaque, entre esses problemas, à tarefa de uma análise adequada dos conceitos básicos que usamos ao pensar em linguagem. Embora não haja razão para que um filósofo não ponha suas ferramentas analíticas em ação para trabalhar qualquer dos conceitos básicos relacionados com a linguagem, a tendência tem sido, entretanto, para se concentrar nos conceitos semânticos, por exemplo, o conceito da significação lingüística e seus cognatos, identidade de significações etc. Isso se deve, em parte, ao fato de muitas das preocupações filosóficas enumeradas na primeira parte desta introdução levarem, naturalmente, a que se levantem interrogações sobre a natureza da significação e, também em parte, porque o fato de uma certa palavra ter uma determinada significação talvez pareça misterioso, no sentido de que freqüentemente dá origem ã reflexão filosófica. Grande parte deste livro será dedicada á análise de conceitos semânticos.

Seria ilusório sugerir que a filosofia da linguagem. mesmo como é praticada pelos filósofos analíticos, esteja limitada à análise conceptual, ao esclarecimento dos conceitos básicos referentes à linguagem. Há várias outras tarefas que os filósofos tipicamente se impõem. Ë a classificação de atos lingüísticos, "usos" ou "funções" da linguagem, tipos de indefinição, tipos de termos, várias espécies de metáforas. Existem estudos sobre o papel da metáfora na ampliação da linguagem; sobre as inter-relações entre linguagem, pensamento e cultura; e sobre as peculiaridades do discurso poético, religioso e moral. A criação de linguagens artificiais tem sido sugerida para vários propósitos. Há meticulosas investigações sobre as peculiaridades de determinados tipos de expressões, como os nomes próprios e as expressões referentes de plural; e de determinadas formas gramaticais, como a forma sujeito-predicado. Alguns desses problemas se situam na fronteira entre a Filosofia e disciplinas mais especiais e todos eles poderiam ser tratados em uma ou outra dessas disciplinas. Assim, a Psicologia poderia assumir a tarefa de distinguir entre diferentes tipos de comportamento lingüístico e poder-se-ia esperar que a lingüística descritiva fornecesse classificações de tipos de expressões. Mas, se esses problemas pertencem, em princípio, às disciplinas mais especiais, eles pertencem aos seus fundamentos; e a Filosofia tem tido, tradicionalmente, muitas relações com os problemas de elevado nível nas ciências, especialmente quando essas ciências estão nas fases iniciais de construção.Há muita especulação em torno da linguagem, partindo-se de pontos de vista muito diferentes e, nesse caso, os problemas assumem configurações bem diversas. A título de compensação, incluí na bibliografia a seguir algumas sugestões de leituras sobre esses outros tópicos.

 

Breve Bibliografia sobre Filosofia da Linguagem


 -- Belo, Fernando -Filosofia e Ciência da Linguagem. Lisboa. Colibri.1993

-- Ducrot, O; Todorov, T.- Dicionário das Ciências da Linguagem.Lisboa.Pub.Dom Quixote.1977

-- Enes, J.-Linguagem e Ser.Lisboa.IN-CM.1983

-- Haching, Ian- Por que a linguagem Interessa à Filosofia?.São Paulo.Unesp.1999

-- Kristeva, J.-História da Linguagem.Lisboa.Ed.70.1969

-- Jacob, A.- Introdução à Filosofia da Linguagem.Porto.Rés

-- Jakobson, R.- Relação entre a Linguagem e as Outras Ciências.Lisboa.Bertrand.1974

-- Lima,J,P. (org.) -Linguagem e Acção.apaginastantas.1983

-- Mayer, M- Lógica,Linguagem e Argumentação.Lisboa.Teorema.1992

-- Marcos, Maria Lucilia -Sujeito e Comunicação.Porto.

-- Mouloud, Noel -Linguagem e Estrutura.Coimbra. Almedina.

-- Schaff, Adam - Linguagem e Conhecimento.Coimbra. Almedina.

-- Simon, Josef -Filosofia da Linguagem. Lisboa.70.1990

-- Piaget, Jean;Chomski, Noam-Teorias da Linguagem.Teorias da Aprendizagem.Lisboa.Ed.70

-- Searle, J.-Os Actos de Fala.Coimbra.Almedina.1984

-- Vários -Existência e Linguagem.Lisboa, Presença.1990

-- Vários (J.Sunpf,G.Granger,J.Bouveresse, J.Gauvin) - Filosofia da Linguagem.Coimbra. Almedina.

-- Vygotsky, L.S.- Pensamento e Linguagem.São Paulo.Martins Fontes.1987

-- Watzlawick, Paul e outros - Pragmática da Comunicação Humana.São Paulo.Ed.Cultrix.

-- Zilhão, António - Linguagem da Filosofia e Filosofia da Linguagem.Estudo sobre Wittgenstein. Lisboa.Colibri.1993

Ver: Ayer, Chomsky, Davidson, Searle, Wittgenstein, etc





 

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