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O que é Poesia?
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Artigos sobre o tema: "O que é Poesia?"

Teoria Literária e Crítica ao Estudo da Literatura e da Arte como proposição analítica e auto-analítica aos novos leitores, escritores, poetas e dramaturgos.

Marcello Ricardo Almeida

 

“SOFTWARE” PARA POESIA

Muitos teóricos de literatura defendem a idéia de que a poesia não pode existir sem a linguagem. Com o Pós-Modernismo, entrementes, a poesia de vanguarda se apresenta das formas mais inimagináveis possíveis. É talvez a poesia experimental, ou uma de suas modalidades, a poesia sonora, por exemplo. A sonoridade também não deixa de ser uma forma de expressão, ou de linguagem.

Uma velha música de “Blues” (que quer dizer azul; depressão nervosa; e até algo muito erótico) intitulada “I Put on You”, além da poesia tradicional, Jay Hawkins, ao gravá-la, explorou certos sons de sua voz, como se estivesse roncando, ou alguma coisa assim, fazendo, certamente, poesia sonora. A música de origem africana é secularmente o melhor exemplo de poesia sonora. No ano de 1996, acadêmicos da PUC-SP, do Laboratório de Línguas Sonoras, lançaram o CD “Poesia sonora: do fonetismo às poéticas contemporâneas da voz”.

Mas nem sempre foi assim. Platão considerava a poesia como algo divino. Segundo a sua interpretação, a poesia surgia no instante em que o poeta, possesso e inspirado por um deus, escrevia os seus belos poemas. Porque nenhum ser humano, por si só, tinha capacidade de elaborar uma obra poética.

Dezenas de séculos se passaram de lá para hoje. Mesmo assim, muitos poetas contemporâneos ainda acreditam nessas bestagens.

Em breve – não adianta mais o descrédito – vender-se-á, em lojas de departamento, fantástico “softwarte” para romance, teatro e também programa para computador com a poesia. No passado, vendia-se dicionários para ensinar aos menos inspirados como fazerem poesias rimadas. E por que não “software” para ensinar aos menos inspirados como fazerem poesias sem ou com rimas? Os poetas deste “software” serão poetas com méritos ou poetas sem méritos?

Com um programa para computador na área poética, simplesmente, acionando um comando, irão aparecer os vários motivos do poema: as figuras de retórica necessárias para registrarem os sentimentos; quais as palavras cujos sons se repetem em outras de múltipla escolha; a melhor rima (paranomásia ou interior); as coincidências sonoras em grupo de palavras; a plasticidade; a harmonia; a semântica; os signos exatos e com a precisão de uma máquina inteligente; os fonemas constritivas vibrantes ou laterais, abertas, nasais, orais, fricativas, fechadas, oclusivas e seu poder sugestivo; a onomatopéia; a comparação; a metáfora (implícita ou explícita); a alegoria, o como funciona e qual o efeitoe onde empregar, e, por fim, caso não se deseje acrescentar mais, contratando bons analistas de sistema, juntamente com profissionais de Literatura e poetas. Agora, é só por tudo em um CD-Rom e comercializá-lo nas escolas do mundo inteiro.

Doravante, esta uma teoria do paradoxo enquanto teoria literária e crítica ao estudo da literatura e da arte como proposição analítica e auto-analítica aos novos leitores, escritores, poetas e dramaturgos tornar-se realidade, quando esta ficção dos poetas de “software” estiver nas gôndolas de supermercados, os poetas decerto serão mais humildes. Tornar-se-ão, pois, mais mortais; e as idéias filosóficas de Platão de que o poeta é alguém possuído e inspirado por um deus, significará tão-somente mais um capricho da filosofia. E a prodigiosidade deixará de ser privilégio de um Wolfgang Amadeus Mozart (1756-91)? A Justiça informatizada já existe nos EUA, também não tardará nos tribunais brasileiros. Negar isto é se recusar a crer no controle remoto, na Internet, no telefone celular, na televisão digital.

Assim é a história. Os dias de ufanismos poéticos (reverência, ali vem o poeta) estão ao ocaso; e a jactância dos poetas morrerá com o advento do programa (“software”) na área da poesia. Artimanhas comerciais no mundo globalizado. Tudo isto é resultado do Pós-Modernismo. Alguém, nesta globalização, ainda encontra tempo para a poesia?

A POESIA É POUCO LIDA E PRATICADA ATUALMENTE?

Não é verdade que a poesia é pouco lida e praticada atualmente. Nas escolas, em geral, os livros de poesia são bastante apreciados. Isto em grande diversidade, embora a gula dos livreiros reclamem – porque a glutonaria não sabe fazer senão idêntico desejo do excesso. Os livreiros reclamam de barriga cheia.

Ano a ano o mercado de livros cresce. A poesia é mesmo um gênero complexo e mutante, neste mundo dos livros. Como explicar as contradições da poesia? Existem dois caminhos motivacionais à leitura: primeiro, a poesia; o outro, as estórias em quadrinhos. É freqüente uma pessoa desconhecer, ou não se lembrar, por exemplo, o nome do autor da letra de certa música (poesia cantada), inobstante, não sai de sua memória dois ou três versos. Isto ocorre em qualquer nível intelectual. Como explicar esta contradição? Se for realizada a enquête a seguir: “É mais fácil aprender a ler com um livro de poesias (infantis ou adultas) ou com um livro em prosa?” A resposta irá coincidir com o que apela aos sentimentos, ou seja, a estética. É o mistério da poesia, são os segredos da boa poesia. O que atrai as pessoas à poesia?

A QUÍMICA DA POESIA OU DO POEMA

Se a curiosidade é a química do filósofo, a imaginação é a forja do poeta. Curiosidade e imaginação são esteios de uma mesma ciência (saber).

Toda criança, embora haja exceções (graças a democracia ou ao espírito humano e suas características), possui em seu âmago filosofia inata. Na outra ponta da linha, a poesia, pois em todas as idades, sobretudo na adolescência, ao se permitir o exercício da imaginação muito mais se comparado a outras épocas, é onde, verdadeiramente, apresenta-se o gostar da paixão, do se apaixonar que nem os poetas.

Poeta não é só quem escreve poesias. Desde Homero com Ilíada e Odisséia até o poeta sentado em um banco escolar, ou em alguma cidade pequena, ou em outro ambiente a escrever poesias, com suas inseguranças e ausências de oportunidades políticas. Indubitavelmente, em cada canto existe gente fazendo poesia e poesia de qualidade. Por esta razão, dentre outras não menos importantes, o rádio (veículo das poesias cantadas) foi e é um dos instrumentos de comunicação popular e democrático. Em síntese, nossa língua é poética por natureza. Daí, todos gostarem de samba? Tudo dá samba ou pode ser poesia? Depois de Einstein tudo ficou relativo?

RELATIVISMO POÉTICO

Há pessoas achando em tudo estética, outras consideram poesia. O povo, de um modo geral, conhece a poesia como forma legítima de arte. Poesia, conforme se conhece tradicionalmente, a arte de se escrever em versos, obedecendo ao ritmo etc., vem sofrendo mutações há muitos anos. Em cada século, a história da poesia, do fazer poético, muda, no mínimo, três a quatro vezes e, nessas mudanças, umas resistem, amparadas por convencimentos teóricos, outras acabam em nada.

Conforme mencionado, em cada lugar existe alguém fazendo poesia de qualidade. Não existe uma cultura jornalística ou acadêmica para investigar a literatura produzida em cada município. Pessoas tímidas preferem engavetar suas poesias, com medo de críticas maldosas, com medo dos plagiadores criminosos. As pessoas nas escolas, por exemplo, desde o ensino fundamental, ensino médio e até universitário, querem se proteger da frustração comum na estrutura autoritária da escola a qual desrespeita violentamente com chacotas e maus-tratos; desta feita, os fracos, escondem seus talentos.

Será que existe mesmo um relativismo poético, dele nascendo os mais inusitados motivos de expressões verbais, ou não verbais, sonoras ou não sonoras, e a isso se dá o nome de poesia?

Não é advogar em nome do Relativismo Poético, ou seja, ignorar que a poesia é a forma legítima de arte. Há, entrementes, quem defenda um feito poético não apenas no texto (em prosa ou em verso), mas também em pintura, em escultura, em fotografia, em cinema, em vídeo, afinal, em outras atividades consideradas não artísticas.

Onde se encontra emoção, onde se encontra o não aborrecimento, a não chatice estará a poesia? Os defensores do relativismo poético, da desindividuialização da poesia, asseguram que nessas criações (“shopping”, edifício, rua, cidade etc.) se encontram sentidos e ritmos e sons.

Poesia, como se conhece através dos tempos é, antes de qualquer coisa, a imaginação (reflexão) renovando os sentidos da vida, os prazeres da vida, a emoção, a estética. Qual é esse universo da poesia tão misterioso e quase intransponível de que se fala tanto?

O MUNDO PARTICULAR DA POESIA

Não há de se lamentar que a melhor poesia não volte mais. A toda hora se forjam poesias horas a fio. Nas bibliotecas, nos depósitos de livros das pobres escolas pobres, em algum canto da casa está ao menos um livro de poesia.

Encontra-se sempre alguém produzindo poesia, elaborando a história particular de cada poesia, de cada sentimento.

Quem faz poesia, recria o mundo. Com suas reflexões doces-amargas, amorávies-burlescas, transforma uma madeira tosca (a vida com ausência de felicidade) em obra de arte (a vida feliz).

Observe, por exemplo, os vários estilos musicais, os mais rudes ou eruditos, impregnados da mais imaginativa e emocionante poesia. É a força da poesia, ou melhor, é o mistério da poesia. Sem necessariamente se embriagar, drogar-se para descobrir o melhor mote do caminho poético. A poesia dos Beatles, a poesia de Shakespeare, a poesia de Cora Coralina, a poesia da vizinha Maria, a poesia da música “pop”, a poesia da literatura clássica, a poesia de augusto dos Anjos, a poesia de Raul Seixas e Paulo Coelho, a poesia de Clarice Lispector, a poesia de Dona Lola – esposa de Graciliano Ramos, - a poesia de Castro Alves, a poesia contemporânea.

Qual é seu mundo, poeta? Um mundo próprio. É o mundo-da-lua? É o mundo das palavras, dos signos, um mundo real e não imaginário, apesar de que, segundo Fernando Pessoa, em Autopsicografia: O POETA é um fingidor. Se o poeta finge ou não finge, o crítico de arte também é um fingidor?

CRÍTICO DE ARTE É SEMPRE UM BICHO-PAPÃO?

Julgar é sempre um grande risco. Onde se arrisca o julgador e não menos quem é julgado. Os críticos literários menosprezando, via de regra, ignorando o preceito do sábio Gamaliel de que não se deve combater o verdadeiro talento (in: Atos dos Apóstolos), costumeiramente traçam receitas da boa literatura. Há uma boa receita, um bom manual, para se produzir poesia de boa qualidade? Tolice. Esses críticos literários não diferem de alguns canais de tevê por cabo; um canal, em particular, apresentando um cozinheiro ensinando a cortar um tomate, isto, das cinco horas da manhã até meia-noite. Aceita-se o crítico de arte que acrescenta ao trabalho artístico seus conceitos, jamais seus dogmas.

É conveniente a produção literária ter medo do bicho-papão? O medo da entidade fantástica com a qual se assuntam as crianças. Pois o tempo, conforme a experiência do bíblico Dr. Gamaliel, tem provado injustiça na biografia de sem-número de autores cuja justiça chega tarde, após a morte, ou morte de suas mais íntimas necessidades.

Razão é não julgar, mas compreender a máxima de que sempre haverá sapatos para pés doentes. Se cada poesia é o próprio retrato do universo poético, quando olhado por outra pessoa de sentimentos ou conceitos estéticos assemelhados; se cada poesia é um particular estado de espírito; se cada poesia é um mundo independente dos outros, mesmo sendo uma poesia (ou poema) paródia, uma imitação burlesca, julgá-la não cabe nem a outro poeta, todavia a posteridade, ao tempo.

Questione-se o que é a vida comparada à história. Então, para que ter medo dos opositores naturais oi artificiais, medo de escrever poesias, medo de apresentar idéias no emprego e não chegar em casa frustrado a chutar gato-sapato?

Engravidar o papel vazio não só é tarefa da caneta para escrever literatura com narrações sobre mortes, paixões, ambições; noutras, competições, adultérios, assassínios; outras, ainda, anti-heróicas ou terríveis, amoráveis ou burlescas. Ler e escrever são gumes da mesma faca.

Daí, como em toda a história da literatura, os fatos registráveis foram sempre mistos de realidade e de ficção. Em Autopsicografia, através de um dos heterônomos de Pessoa, poetizando ser o poeta um fingidor, realiza literatura poético-filosófica, registrando ficção e realidade. A ficção pura nem os poetas conseguem pô-la no papel. Sabe-se, porém, que os poetas não são apenas os consagrados ou os emergentes; também são crianças nos bancos escolares do ensino básico, compondo em suas agendas e folhas avulsas de cadernos – essas nenhum crítico deve pôr a mão, oprimindo-as com suas frustrações.

Escrever poesia, redigir comentários acerca do fazer poético, de certo modo, se conflitua à realidade, onde o ter supera o ser. Se o ser é inferior, pelas estatísticas econômicas, ao ter, então, qual a finalidade deste ensaio sobre a poética? Na linguagem econômica, sobressalta-se o que tem cunhado em sua característica algum valor monetário. A poesia tem algum valor monetário? Quem escreve poesia fica rico? Todos os artistas são destinados a uma vida em opulência e riqueza? Se a resposta for negativa, o conceito das pessoas em relação aos poetas, a idéia do povo em se tratando de quem escreve poesias é o conhecido lugar-comum: a poesia é um artigo supérfluo. Por que a ideologia dominante dissemina que o poeta é um ser destinado à pobreza? Porque o poeta faz pensar.

Só acredita na poesia quem descobre o sucesso da poesia transformada em música e tocada diuturnamente até furar o CD. E isto parece curar essa doença de que a poesia não tem cura.

A POESIA É UM REMÉDIO QUE CURA

São inúmeros os bichos-papões à espreita? É lamentável que os estudantes do ensino básico, em particular, e alunos em geral, por extensão, seus professores de Literatura ou disciplinas afins, ignorem que a poética é tudo com fantasia, e a fantasia é um dos mais importantes ingredientes da humanidade para se evitar a loucura, se evitar o tédio, se evitar as doenças as mais inusitadas. Para que ir ao estádio de futebol ver um jogo, um “show”? E o cinema, a televisão, o rádio, a música? Todos, além de outros tantos exemplos não elencados, são modalidades de fantasias.

Escolas, sobretudo no ensino básico, deverão implantar a disciplina História da Poesia. Concluindo, chega-se em sala de aula um crítico literário, um mestre ou um doutor em Literatura, amedrontando a todos com as suas aborrecedoras regras; dizendo ser a verdadeira poesia outra coisa e não o que está escrito (lixo poético) nos cadernos e nas agendas dos alunos?

Experimentando juntar poesias das mais consagradas, ou clássicas, ou contemporâneas, ou neoconcretas ou poema-processo, poema-objeto, poesia visual, pós-poesia, com as poesias dos alunos do ensino básico. Misturadas, dificilmente, saber-se-á quem é quem, caso não estejam as poesias assinadas, exceto aquelas santificadas pela mídia. Muitos teóricos na área poética asseguram que “a poesia da mais alta classe pode existir sem metro e mesmo sem os contraditórios objetivos de um poema” (S. T. Coleridge).


O autor: Marcello Ricardo Almeida é haicaísta, advogado e dramaturgo; em parceria com seu irmão Morche, foi várias vezes premiado pelo método “Teatro-Feijão-Com-Arroz”. É autor da peça "Debaixo da ponte", representada em inúmeras cidades brasileiras (Revista da SBAT-513). Em Florianópolis, coordenou em 2003 e 2004 o I e II Festival Nacional de Poesia. Nasceu em 1961, em Santana do Ipanema, AL. Preside a Federação das Academias de Letras do Estado de Santa Catarina. Autor de 44 livros e 120 peças teatrais.

Contatos: marcelloricardo@bol.com.br

Página Publicada em 15/03/2006