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Artigo de André Masini publicado no Jornal O Paraná em 05/mai/2004

A CARROCINHA

OBSERVAÇÃO: Este texto foi publicado como um artigo separado por questões de espaço no jornal. Na verdade ele se trata da continuação do artigo [Morrer, Dormir... talvez Sonhar], publicado na semana anterior, dia 27/04/2004. Sugerimos preferencialmente a leitura dos dois artigos em conjunto, que pode ser encontrado na página: "[Morrer, Dormir... talvez Sonhar].

André C S Masini

No último dia 27, meu artigo neste espaço relatou a eutanásia de um heróico cãozinho, que, mesmo irremediavelmente doente e em imenso sofrimento, ainda amava a vida.

Aquele texto não foi apenas uma reflexão sobre a vida e a morte, mas um alerta para um grave problema que ocorre hoje em nosso país: o frio assassinato de milhares de cães que gozam de perfeita saúde, perpetrado por entidades do Estado, em nosso nome.

A herança que o cãozinho incuravelmente doente deixou foi um grito de alerta: para que nós, humanos, compreendamos a imensa brutalidade que é essa matança de seres saudáveis.

Os cães são nossos maiores companheiros e o maior presente que a natureza nos deu. Eles nos amam incondicionalmente, sua fidelidade é sólida como as mais profundas fibras de suas heróicas almas (que sacrificam sem hesitação suas vidas para defender seus donos), sua alegria e seu carinho são lições que a cada dia nos ensinam a ser melhores e a viver melhor...

Quando penso sobre isso, é difícil compreender o que fizemos para merecer tamanho presente... Mas deveríamos agradecer a Deus e à natureza por ele, e mostrar permanente respeito e carinho por esses seres infinitamente alegres e amigos, e que amam tanto a vida, e que a cada dia nos ensinam a amá-la também. Porém, ao invés disso, criamos "centros de controle de zoonoses", as malfadadas "carrocinhas", que capturam os cães pelas ruas e os assassinam com bestial frieza!

Deveríamos parar para refletir. O que, afinal, nossa espécie está fazendo na Terra? aonde queremos chegar?

Não nos contentamos em estar destruindo cada um dos ecossistemas do planeta, não nos contentamos em nos comportar como verdadeiros playboys mimados, que -- sem qualquer consciência ou reconhecimento do fato de existirem outros seres -- dilapidamos a herança que a natureza nos deu, numa verdadeira orgia de inconseqüência.

Além de tudo isso, ainda tratamos nossos melhores amigos, os cachorros, como se fossem resíduos descartáveis, não seres brilhantes e repletos de vida.

Vi outro dia na TV um certo professor da USP afirmando que a hostilidade da população contra a carrocinha é devida à "ignorância", pois a população não sabe que os cães podem (sic) "causar doenças". Pobre criatura vaidosa. Do alto de seu pedestal, ele nem sequer cogita a hipótese de que o ignorante possa na verdade ser ele próprio. A tal "população" pode perfeitamente saber da possibilidade de um cão transmitir doenças -- bem como da possibilidade de outros seres humanos transmitirem doenças -- mas nem por isso precisa apoiar a idéia de que se deva sair por aí praticando extermínios.

O sábio professor nem percebe que seu raciocínio brota do mesmo campo de onde brotaram as maiores monstruosidades da história humana. A mente dissociada do coração é um mecanismo defeituoso e pervertido, que pode levar para absolutamente qualquer direção e fazer estragos sem qualquer limite. Não existe nada mais ignóbil do que a pseudo-sabedoria, que tenta mostrar a "lógica" de atos monstruosos através de argumentos "científicos", mas sem discutir os aspectos éticos da questão.

A solução para o problema das carrocinhas, porém, não é de modo algum hostilizar os funcionários que nelas trabalham (muitos dos quais também sofrem com a matança dos animais). A solução é exigir dos políticos que a matança seja proibida por lei, e que em todo o país o extermínio seja substituído por programas de esterilização e adoção, como muitos que já existem em curso.

O autor é  Escritor, Auditor Fiscal da Receita Federal
e Diretor Geral da Casa da Cultura.


NOTA: Este artigo em conjunto com “MORRER, DORMIR... TALVEZ SONHAR” foi republicado no Jornal O VIRA-LATA, do nobilíssimo CLUBE AMIGOS DOS ANIMAIS de Santa Maria, RS (número 5, Setembro de 2008). Para mim, ter tido contato, mesmo que indireto e distante, com as pessoas desse Clube, foi uma imensa alegria e honra, e ver meu texto em seu Jornal uma grande realização. O romancista Léon Tolstoi escreveu “Ao homem ou mulher que almeja uma vida digna, o primeiro voto deve ser o de não maltratar qualquer animal” **, se o amigo leitor ou leitora já visitou alguma associação de amigos de cães ou outros animais, e experimentou ter oferecido algo de si a esses nossos companheiros de planeta, mesmo algo muito pequeno, certamente sentiu uma alegria diferente, difícil de descrever, uma espécie de calor interior, de calor na alma... Foi um pouco desse calor na alma que eu senti ao ter em minhas mãos o belíssimo exemplar de O VIRA-LATA - Jornal de um grupo de pessoas que faz diferença entre a vida e a morte para alguns animais - e ver nele meu insignificante texto. Desse contato recebi rejuvenescimento e arejamento, como uma onda que veio da DIGNIDADE dessas pessoas que se dedicam a tão nobre causa. Se o amigo leitor ou leitora jamais visitou alguma associação do tipo, eu lhe diria para não perder tempo... esse calor, essa alegria é uma das poucas dádivas genuinamente boa e valiosa que a vida nos oferece. Por tudo isso, aos Amigos dos Animais de Santa Maria, meu Muito obrigado!!

www.clubeamigosdosanimais.com.br/

Diretório Brasileiro de Entidades de Adoção de Cães e outros Animais

Por quê cães adotados são mais saudáveis que os comprados de um canil?

André Masini, 2009

** [ Tradução Livre a partir do Inglês: “If a man aspires towards a righteous life, his first act of abstinence is from injury to animals” : Literalmente “Se um homem almeja buscar uma vida correta, seu primeiro ato de abstinência é a de ferir animais”. Nota: Na época, a “abstinência” era genericamente e amplamente vista como uma atitude virtuosa. ]

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