05/NOV/2003

BOLETIM INFORMATIVO SEMANAL

da Casa da Cultura

 

Caro(a) Amigo(a) Assinante,

O Brasil está de luto.

Ontem, dia 04/11/2003, o Brasil deu o último adeus à sua escritora maior: Rachel de Queiroz.

A Matriarca da literatura regional (nas palavras de Carlos Heitor Cony) era Cearense, vivia no Rio de Janeiro e tinha 92 anos; foi a primeira mulher a ser eleita para Academia Brasileira de Letras, em 1977.

Foi pioneira. Seu romance regionalista "O Quinze", de 1930, antecedeu as obras do mesmo gênero de Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado.

Escreveu mais de um milhar de crônicas, desde a revista O Cruzeiro na década de 50 e até o jornal O Estado de São Paulo nos tempos atuais.

Seu livros são:

"O Quinze" (1930), romance

- "João Miguel" (1932), romance

- "Caminho de Pedras" (1937), romance

- "As Três Marias" (1939), romance

- "A Donzela e a Moura Torta" (1948), crônicas

- "O Galo de Ouro" (1950), romance - folhetins na revista "O Cruzeiro"

- "Lampião" (1953), teatro

- "A Beata Maria do Egito" (1958), teatro

- "100 Crônicas Escolhidas" (1958)

- "O Brasileiro Perplexo" (1964), crônicas

- "O Caçador de Tatu" (1967), crônicas

- "O Menino Mágico" (1969), infanto-juvenil

- "As Menininhas e Outras Crônicas" (1976)

- "O Jogador de Sinuca e Mais Historinhas" (1980)

- "Cafute e Pena-de-Prata" (1986), infanto-juvenil

- "Memorial de Maria Moura" (1992), romance

Talvez as palavras que melhor traduzam a importância de Rachel sejam (mais uma vez) de Carlos Heitor Cony: "A literatura regional nasceu com Rachel de Queiroz sozinha, sem padrinhos, no sertão do Ceará".

Mas creio que o que mais nos fará falta serão suas crônicas semanais. Criações ao mesmo tempo simples e profundas, que com habilidade e delicadeza revelavam cada uma um novo aspecto da vida e do mundo.

A magnitude da mente e da pena de Rachel de Queiroz é algo difícil de expressar. Ela certamente foi um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos e, em minha modesta opinião, era o maior expoente vivo de nossa literatura.

André Masini


Caro(a) Assinante,
 
Tinhamos programado diversas novidades para a data de hoje: nosso sítio está sendo reestruturado, sua itemização foi tornada mais lógica; a navegação, mais fácil e intuitiva. Novas seções também estão criadas. Mas diante do falecimento de nossa Escritora Maior, calaremos todas as demais notícias ou textos e dedicaremos a presente edição exclusivamente à memória dela.
 
Em sua homenagem, a Casa da Cultura criou um espaço novo. O Panteão dos Escritores. (todo escritor é imortal, mas os grandes, como Rachel de Queiroz, são imortais entre os imortais).
 
http://www.casadacultura.org/d/panteao/rachel_de_queiroz/rachel_de_queiroz.htm
 
 
Incluímos abaixo alguns textos de Rachel de Queiroz e alguns  links para espaços na WEB onde textos da escritora podem ser encontrados:
 
Dentre esses espaços, merece destaque  por razões óbvias o da REBRA, Rede de Escritoras Brasileiras:
 
http://www.geocities.com/~rebra/autoras/1port.html
 
outras boas páginas são:
 
http://www.releituras.com/racheldequeiroz_bio.asp
 
 e Rachel de Queiroz e "O Quinze": http://www.angelfire.com/de/queiroz/index2.html
 
 
Saudações,
Casa da Cultura www.casadacultura.org  Contos, Poesias, Ensaios, Filosofia, Traduções, Livros, Palestras, Idéias... e nenhuma propaganda.   AJUDE A DIVULGAR A CASA DA CULTURA retransmitindo nossas comunicações a seus amigos e conhecidos. Obrigado.   gr nD

CRÔNICA

Ilha, dezembro de 1949.


Talvez o último desejo

 Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?

 Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!

 Sim te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.

 Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Dora em vante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!

 Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!

 Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.

 Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.

 Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.

*

 Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranqüilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.

 Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.

 E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.

 E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.

 E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.

 E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.

 E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.

 E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.

 Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?

 O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!


Rachel de Queiroz 



"[...] tento, com a maior insistência, embora com tão precário resultado (como se tornou evidente), incorporar a linguagem que falo e escuto no meu ambiente nativo à língua com que ganho a vida nas folhas impressas.  Não que o faça por novidade, apenas por necessidade.  Meu parente José de Alencar quase um século atrás vivia brigando por isso e fez escola."
 
Rachel de Queiroz 
 

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