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Seção de Artes: Artigos sobre Artes

Da arte contemporânea

Mauro Andriole

            Há uma situação imperdoável quanto ao critério que, via de regra, serve para “atestar” a contemporaneidade da arte. Critério que já dispensa endosso técnico, pois se incorporou feito possessão no espírito que anima os “circuitos oficiais” da arte. Todavia, sejamos benevolentes, ou melhor ainda, amorosos, porque não há nada que seja passível da necessidade de perdão na esfera das expressões espontâneas que se materializam na cultura e nada que se eleve mais do que o amor.

Mas a vista, independentemente do que se pode ou não perdoar ou do que se deveria considerar ou não passível de critério, vê! E aos olhos tudo é um dizer. E nada se interpõe ao seu escrutínio... ou não?

Aí está a questão! Que aqui insurge como o levante da alma em seu desassossego, e deste grito que rompe o silêncio nefando da indiferença à diferença, VÊ-SE o som dilacerante a revelar sua necessidade de ser: EU SOU!

A ingenuidade da afirmação chega a fazer sorrir os que ainda sentem que há algo de vivo a correr por suas entranhas, mas sei que não alcançará os que já ultrapassaram a verdade, deixando-a subsumida aos ditames da ilusão de que há de fato o que se enuncia como “contemporâneo”.

Quem é e quem não é contemporâneo hoje?

Será esta uma nova forma de se interpelar as profundidades do ser ou este é o sepulcro daquilo que se deseja matar de uma vez por todas: a imortalidade. De onde emana a profecia que nasce para decretar a morte da arte, ao menos na história, senão da visão da própria morte da noção de imortalidade?

Sejamos mais uma vez condescendentes para os que ainda buscam o fio da meada, para os que tentam se agarrar ao nexo fixo do argumento misturado ao cal e a pedra, no gênero e na categoria do que aqui se diz...pois que estes sempre são os que precisam mais do que qualquer outro do que se diz sobre o imperdoável.

Iniciemos por uma questão bem sucinta: o que é ser contemporâneo?

Diria talvez o dicionário que é aquele que vive a um só tempo com outros, ou que ainda, que partilha dos símbolos e motivos que este tempo imprime nos espíritos. Enfim...tudo o que possa remeter à coexistência temporal.

E o que se poderia dizer então, quando transpomos tais pressupostos para quebrarmos a barreira da normalidade, e tais como juízes que somos por natureza, invadíssemos de súbito o estranho universo que motiva a criação artística?

Subsistiria o tempo dos que sofrem, dos que são felizes, dos que não sabem que há a contemporaneidade ou dos que não se vêem senão como seres integrados a tudo que o dia a dia expõe como o imperativo categórico, sejam os pós modernos ou os do terceiro milênio?

Ora, diríamos que os que estão afinados exatamente com o que é o senso comum, ao que move o espírito da maioria, ao que remete ao símbolo comunitário inequívoco deste tempo, e ainda, ao que se serve de propriedades da matéria plástica que é filha deste tempo – a borracha, o vinil, os estirenos, as espumas, os metais efêmeros, os acetatos, os raios layser, os imãs e toda radiação, e finalmente toda sorte de escombros e refugos reciclados intermináveis – é por excelência um artista contemporâneo.

Dito desse modo, a priori, tal manifestação artística já se enquadraria numa categoria segura, e serviria de suporte à etiqueta e ao verbete num dicionário anual de artes contemporâneas. E, conseqüentemente, toda expressão do espírito que se serve da matéria que serviu a outros tempos, o óleo e a tela, o barro, o cinzel e o bronze ou o mármore, já se destinam de antemão ao limbo que abriga as almas penadas dos desencarnados.

Mas o que dizer de um anuário de artes contemporâneas que já está no seu quarto ou quinto ano e que se apresenta como uma publicação regular, que se consolida ano após ano e que visa a secularização?

Será que a arte ali representada será sempre contemporânea porque o critério que julga aquilo que se publica é suficiente para atualizar os gêneros e garantir o que caracteriza o “novo”, de modo a impedir a contradição da mera repetição anual do que se produz? Mas não seria o caso de abolir então a temporalidade que exclui a diferença tanto mais distante está do momento que se cunhou a definição do que é ser contemporâneo inadvertidamente?

Questão que pode igualmente provocar risos nos que riam a pouco quanto ao desejo da alma querer ser, mas que, ao avesso, ultrapassada a barreira do status quo, fere a dignidade dos que ainda sentem a necessidade de ser dignos.

E afinal, o que é ser contemporâneo então???????????

Que artigo é esse?

Que há de se querer ser mais do que já se é, eu diria.

Ser mais do que contemporâneo?

Deus...que arte de querer é essa que irrompe neste tempo?

Contemporânea até quando?

Quantos são os tempos para que num dado momento da história da arte se possa congelar um período, distinguindo-o dos demais para encaixotar nele o que se manifestou pela ânsia insana do artista?

Quem se responsabiliza pela insanidade do artista e reconhece nele e na sua obra o fio de um nexo identitário temporal, quando é sob um temporal, de furacões de emoções e de lembranças intemporais do que em sua criação pode nunca ter sido verdade um dia, e que ele, indiferente a isso e crente apenas em si, assina e imortaliza como obra num anuário feito sua imagem e semelhança?!!!!!!!!!!!!

Finalizemos sóbrios como se deseja sempre, preservando a integridade do léxico que se avulta no horizonte competente das autoridades.

Minha tese é a seguinte meu caro amigo: não há contemporaneidade, há no máximo a multitemporalidade, ainda assim, considerando a limitação temporal um requisito para nortear o discurso racional, pois ouso aqui dizer que o tempo não existe sem nosso desespero de quantificar a natureza.

Há estações, parece que dizemos que são quatro, se bem que de um tempo para cá elas não andam tão bem definidas. Há a rotação da Terra, se bem que dizem os contadores do tempo que houve uma aceleração. Há também o ano, mas ele está vinculado a isto que alterou a rotação do planeta...bem...mas deixemos isto apenas como a provocação de um conspirador ignorante.

Pensemos só sobre o que nos é mais familiar pensar: o homem.

Tantos são os homens, que é em vão o desejo de conhecer a todos, pois que nunca se saberá o que ele é, justamente por isso: o homem “é”, ele não deixa de ser “nunca”, daí a impossibilidade de afirmar que ele “é isto” com base na nossa experiência dele “ter sido isto”!

Pensemos então apenas na arte contemporânea.

Do mesmo modo, é de uma crueldade estúpida o exercício do poder que se auto outorga a condição legítima de delimitar períodos fixos, e embalsamar viva a manifestação livre do espírito que se apresenta exuberante aos olhos dos que caminham livres por esta Terra, pois ela não possui donos, não possui idiomas, nem um só destino preferível.


[Leia também Gravura: conceito, história e técnicas, escrito por este mesmo artista]

[Leia também o artigo: O que é Digigrafia? - deste mesmo autor]


O Autor, Mauro Andriole, é artista plástico, estudioso de filosofia, sobretudo de temas que convergem para a ciência e a metafísica. Sobre sua produção atual de gravuras ele diz: Trabalho simultâneamente em dois temas absolutamente interligados: PHYSIS - que trata da questão grega da "natureza das coisas", e Povos Ancestrais do Brasil - seguindo um caminho do coração junto à mitologia e sabedoria do Índio brasileiro.

e-mail: andriole7@hotmail.com

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Página Publicada em 23/02/2006